sábado, 27 de dezembro de 2008

E chove lá fora

L. não sai de casa porque está chovendo. Não sai mesmo é por preguiça, mas não quer admitir. A chuva veio bem a calhar: no Domingo as ruas ficam mais vazias, não tem algodão-doce na praça, as crianças não saem de casa, as avezinhas longínqüas não chegam para pegar milho. Ainda mais com essa chuva.
Então é que decide fazer um desenho. Procura papel, lápis e algumas tintas. Senta-se no chão, mas fica parado pensando no que vai fazer - é chato desperdiçar papel, tinta e tempo. Após um tempo, decide pintar um bosque.
Frondoso, belo e explêndido, assim que ele vai ser. Com animaizinhos, um céu de nuvens, um solzinho modesto e ameno. Terá árvores de vários tipos, frutas comestíveis, borboletas majestosas e formiguinhas trabalhadoras. A senhora joaninha vem depois, em uma dessas folhinhas de verde vivo que nutrem o capim de beleza.
Um riacho acolherá os pés do caminhantes, isso, é claro, se L. fizer pessoas, porque agora era senhor. Senhor do verde-claro, do amarelo-ouro, do carmim e de mais nãoseioquê. E assim vai a tarde: lápis espalhados, papéis espalhados, tintas abertas. A mãe chamando, não há resposta - L. só ouve os sons da imaginação.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Ampulheta

[Gravando.]

Preciso me reiventar. Meus quadros já não são mais bonitos, minha dança é a dos movimentos enferrujados, minhas palavras apagam-se naturalmente e meus olhos já não brilham como antes. Minhas flores já não abrem mais, minhas roupas estão desbotadas e meu ar não se renova. Há muito que convivo com o dilema do envelhecimento. Já não conto mais com tão boa memória, ou com amigos de longa data que me ajudem a lembrar de tudo. A xícara favorita está velha, um pouco quebrada, o cachecol mais bonito quase devorado pelas traças, e minhas mãos enrugadinhas, pequeninas e arqueadas. Não vou muito bem das pernas mesmo. Mas são suficientes para me dirigir ao cesto e pegar o pão, beber o chá, arrumar o que ainda resta.
Porém, ao menor dos esforços sinto que todas essas horas, dias, meses e outras unidades de medida de tempo foram muito úteis. Sim, e continuarão a ser, enquanto eu durar.

[Fim de gravação.]

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

31 anos

"Dá-me a tua mão desconhecida que a vida está me doendo e eu não sei como falar - a realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas."

Clarice Lispector. 09/12/1977 §

Algum conto temático, porém fora de época

W. estava indecisa, não sabia o que ia comprar.
Acabou o chá,
Acabou a bolacha,
Mas ainda tinha bastante açúcar.
O que se podia fazer com muito açúcar hoje em dia? Pensou em um bolo, ou bolinhos de chuva, mas cadê a farinha? Não, também tinha acabado a farinha. Pensou novamente: "- Para quê serve farinha, não queria mesmo."
O sofá já se configurava duro, e o gato espichava uma lingüinha magra, meio que em um bocejo de cansaço e preguiça. A parede estava desbotada, W. há muito não renovava a cor. Tinta também não se encontrava, coisa rara. Raro mesmo era ver alguma coisa muito nova naquele lugar. W. estava cansada, indecisa e pensativa. Achava consigo mesma que nunca havia pensado tanto.
Foi então que teve a idéia de comprar um pinheirinho (louca, não tinha bolacha nem chá). Estava frio, precisava de chá e bolacha, mas com o troco dava para comprar chocolate e uma garrafinha de leite. Colocou o cachecol, a touca, calçou as luvas e saiu.
Em seu regresso, trouxe consigo o pinheirinho, o chocolate e o leite. Mal conseguia enxergar o caminho por onde andava, porém conseguiu chegar em casa sem danificar nada.
Instalou o pinheirinho:
Sem enfeite,
Sem brilho,
Sem nada.
Colocou o leite do gato, fechou as janelas, pôs o restante de lenha na lareira (e olha que ainda deu um bom fogo), preparou a cama com lençóis e colchas (mesmo que ralos), esquentou o chocolate. A cadeira já não balançava mais, contudo ligou o rádio, sentou-se nela e tomou chocolate.

25 de Dezembro.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Falar com a parede

No momento eu não digo, explodo: saiofalandosempausacomoseomundofosseacabar. Aí sai um monte de coisas sem sentido, mas que me deixam menos enforcado. Na verdade eu não gosto muito de dizer. O silêncio são as palavras implícitas, e como eu não me dou muito bem com elas, prefiro guardá-las para quando tiver necessidade.
A minha necessidade agora é dormir. Dormir para esquecer, apagar, refazer, começar de novo, enfim, mais um tanto de palavras invarialvelmente prefixadas por 're'. Mas isso se deve a um cansaço mórbido que eu tenho sentido. Estou um velho de oitenta anos essa semana, embora ache que até mesmo um velhinho se sente menos cansado do que eu.
Isso se resolve com uma boa dose de paciência. Muda, oculta, que não se revela. No entanto, não é assim tão fácil, visto que tenho que me desgartar pensando, falando, sentindo, umas coisas que nem fazem tanto sentido para minha vida. Aliás, o que realmente faz sentido? Ainda não sei a resposta, mas gostaria de buscá-la: preciso ficar mais a sós com os livros.
E como estou costurando esse texto (colcha de retalhos), cada assunto puxa outro, e ponho-me a falar de livros. Ah, como queria tê-los mais em minha companhia. Porém aconteceu de um tal de relógio aparecer para eu ficar louco: tempo. É tempo marcado para tudo - inclusive ler. E os livros são menos procurados, deixados de lados, tratados como bastardos. Não, eu preciso de mais tempo para eles, nem que eu pare o relógio e viva aquele tempo meu de que sempre falo repetitivamente nos textos.
Então preciso ir, pois dormir também tem tempo certo. Daqui a pouco vou acordar, na hora certa, para mais um dia. Um dia que se levanta por essas bandas e à tardinha vai para o outro lado do mundo. Bem, antes que eu fale mais coisa, FIM.

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Explosão II

C a l a r : antes que a voz acabe.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Explosão I

GRITAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAR:
Se necessário.

domingo, 12 de outubro de 2008

Presente de Aniversário

Outros Outubros virão,
mas nenhum igual ao outro.
esse que passou foi singular.
Todos são assim:
vendavais de coisas.
Já tive vários,
dentre os quais me lembro de alguns,
porém não todos.
Isso de ficar velho é inevitável,
não imagino mas sei.
Imaginar é difícil,
Até para escrever tudo isso,
imaginar é preciso.
Mas em um respiro escrevo
essa palavra.
Nada de prolixidade,
nem de inconclusões.
Retrato de mim mesmo,
estou me escrevendo,
e só vim aqui para dizer-me uma coisa:
Feliz aniversário.

Anistia

Nunca escrevo sob encomenda.
Meço, desmeço, é que nem desenho,
Estou sempre a apagar palavras.
Estavam aqui agora há pouco,
Saíram de férias,
Voltaram majestosas.

Não quero saber quanto vai durar,
Se ao menos vai durar.
Mas se não durar,
Pouco me importo,
Pois não tenho compromisso:
l i b e r d a d e.

sábado, 30 de agosto de 2008

Finito (ou quase)

Este Blog faz aniversário no dia da Independência. Sete meses de digitações periódicas e "vai-e-vens" de dedos que arranham algumas palavras.
Mas ele merece morrer um pouco, não que eu queira matá-lo. Na verdade eu até quero, porém para que não soe abrupto vou deixar que morra sozinho.
Isso, no canto mais apertado da mala que carrego comigo há muitos anos. É que viajo para lá e para cá, nômade dentro de mim mesmo.
Este é um atestado de óbito literário. Literário, que pretensão. É um óbito textuário, desses que são enterrados como indigentes. As palavras ficam, mas daqui há um tempo se vão, pelo ralo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Lacuna

Não tenho palavra para gastar: dizer custa caro.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Qual o sentido (?)

Ela: Vou embora daqui, já estou de mala pronta.
Ele: Por mim tudo bem.
Ela: Como assim, 'por mim tudo bem'? Olha, se eu cruzar aquela porta você não me verá mais.
Ele: Não tem problema.
Ela: O que está dizendo, seu estafermo? Eu não te ameaço mais, estou te dizendo.
Ele: Pode partir, bon voyage.
Ela: Sabe, eu sempre achei você muito bobo. Sorrisos demais, abraços demais, palavras exageradamente doces, cigarros mentolados de marcas horríveis, LP's das bandas mais cafonas, livros de autores decadentes - nossa, tudo muito ultrapassado.
Ele: Pois é.
Ela: Não banque o fático comigo, já passamos da fase de ficar testando o canal de nossa esdrúxula comunicação. Vai, diz alguma coisa antes que eu finalmente vá daqui para nunca mais olhar esse seu semblante conformado.
Ele: Não sei.
Ela: O que é agora, deu para irritar? Ora, eu só posso ser maluca ou algo similar. Onde estou que já não fui daqui? É isso mesmo, chega de conversa. Quanto a você, não me procure. Estou morando na Rua 'x', apartamento 'y', esquina com a Rua do Nunca e no bairro dos Ninguéns. Ah, detesto você. Ou melhor, te odeio.
Ele: Pode deixar, te faço uma visita.
- Ela foi-se dali como quem foge de um martírio. Não tinha nome, identidade, não era nada. Não passava do imaginário dos que fantasiam e não sentem.
Onde posso encontrar minha objetividade?

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Retorno à rotina

Publiquei hoje,
somente para mim,
meu mais precioso livro.
Relatos aleatórios,
sobre coisa alguma,
que eu ainda arrisco fazer.

Hoje também
foi um dia apático,
desses que começam cinzentos
e terminam com o habitual tédio.

Essas palavras
que aqui aparecem,
são o tempo que eu queimo,
as horas que passam
e o meu monólogo incansável.
Chega.

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Aleatório(.)

Estou sem paciência, mas com papel e caneta. Na sala de estar.
Já faz mais de algumas horas que estou nesse lugar, hermeticamente lacrado, aprisionado, vítima do tempo e dos ponteiros do relógio. O ar está denso, deve ser aquela luz velha sustentada por um lustre do século passado. Nas paredes, um tratamento gasto e amarelado, marca de que nesse lugar não chegou a modernidade. Além disso, quadros horripilantes de uma sobriedade infernal aprofundam ainda mais o ambiente, onde eu me sinto uma bolinha de naftalina na caixa de antigüidades.
Mais horas se passam, nada de chegar alguém. Estou sentado em um sofá desconfortável, embora esteja estranhameente imóvel e não consiga me dirigir até a cadeira que foi da vovó. Porque o tempo, este é o meu dilema. Vou promover minha própria fuga, quero escapar, mas há um paradoxo que não me permite avançar: quanto mais penso em sair, mais regrido e o tempo parece me castigar com isso.
Castigo, é ao que estou submetido agora. Até respirar está ficando difícil. Começo a pensar coisas sem sentido, como um quadro dadaísta com as coisas saindo de seu eixo de rotação. Me sinto confuso, acho que vou desmaiar, tudo roda e em pouco tempo estarei apagando, desfalecendo.
Não, melhor parar por aqui. Escrever pode ser difícil. Mas daqui só saio quando acabar este relato de idéias soltas. Escrever é demasiado estafante. Acabei.
Ponto final.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Não fui eu, foi meu eu-lírico

Hoje de manhã fazia muito frio, ainda faz até agora. Pensei seriamente em escrever alguma coisa aqui, mas nem tudo me interessa e esses dias até que não tem acontecido nada comigo. As pessoas já não estão tão detestáveis, eu já consigo ficar menos angustiado com as coisas, talvez isso seja a ordem natural do tempo (que passa e eu nem sinto). Porém, não significa que eu adore o que detestava antes, apenas me dei férias disso tudo. Declarei também trégua a meus pensamentos e inspirações, mas o que venho contar aqui é tão pobre que eu escrevo de mim para mim mesmo: espelho.
Não importa, senti hoje vontade de gritar também. Mas bem alto, alto mesmo. Vou comprar um megafone desses de passeata, quem sabe alguém me ouve do outro lado do mundo. Escutei uma música mais ou menos, meu nariz gelou atá a ponta e me senti completamente abarcado de neve. Fazia Sol, mas preferi ignorar isso e o vento me atingia como pedras de gelo.
Sinceramente, já me cansei de escrever aqui, mas tornou-se mecânico. Queria ser um espelho, ver tudo de um lado diferente. Mas o tempo tem pressa, passa em desvarios como albatroz à procura de um rumo. Procuro sempre fazer as coisas sem os limites do tempo, mas às vezes, como em toda relação, brigo com ele, discuto mesmo (de sair rusgas e palavras malcriadas), até que ele acaba por decidir se vingar de mim e passa muito rápido. Tão rápido que ele cismou de já ter passado quinze anos. Quinze primaveras, muitas voltas em torno do Sol. Muitos anos, muitos meses, mais dias ainda, horas e horas a fio. Em imaginar que daqui a um tempo estrei dizendo a mesma coisa. Queria poder ser luz, andar universo afora, percorrer galáxias, quem sabe eu aproveitava melhor a companhia do tempo.
Portanto, vou me transformar. De hoje em diante pretendo escrever com outro nome (tomara que eu me lembre disso). Mas se eu me esquecer, não importa, isso tudo aqui não vai além de uma gogante bola de pêlos, regurgitada e ruminada pela paciência. Pensei em adicionar uma imagem a isso tudo, mas não quero deixar nada muito pessoal. Vou-me embora neste instante, porque preciso descansar de tudo isso. Hoje não falo mais, nem gesticulo. Pretérito.

sábado, 5 de julho de 2008

Epígrafe


"Se alguém perguntar por mim
Diz que fui por aí
Levando o violão embaixo do braço
Em qualquer esquina eu paro
Em qualquer botequim eu entro
Se houver motivo
É mais um samba que eu faço
Se quiserem saber se volto
Diga que sim
Mas só depois que a saudade se afastar de mim"

Exílio

Paris, 31 de Outubro de 1961.
Querida titia Dorothy,
Não prepare biscoitos de hortelã para mim, pois não regresso mais, isso é definitivo. Aqui faz frio, mas toma-se chá quente e o ambiente é ameno. Não agüentava mais a luta com as palavras, estava fustigado. Era uma terrível batalha, já não sabia mais o que fazer. Ficava me debatendo com elas, desgaste emocional e físico. Desapaixonei-me pela submersão em que me deixava nelas. Noites e mais noites sem dormir, tentando concatená-las, sabe, muito difícil. Aí mais indisposições e conflitos, evito-os por aqui. Já está sendo difícil, imagine, colocá-las todas juntas, nesse discurso, pesaroso porém desbafo. De modo algum me leve a mal, titia, mas preciso de ares renovados. Tenho que me enquadrar em algum lugar, sabe reconhecimento mútuo? Se continuasse onde estava, sucumbiria. Mas como ainda não dei chance para o fim, presenteio-me com sábia distância da ingratidão das palavras que me fogem e não deixam que eu me aproxime e as tateie (se não as tenho, sou sem rumo).
Acabo por aqui, estou cansado. Quando tiver notícias, lá vai batalha, mas mantenho-a informada.
Saudações,
A.

sábado, 28 de junho de 2008

Dilema

O som do surdo
O grito do mudo
O filme do cego
O samba da bossa-nova
O cheiro da água
A música sem notas
A viagem sem volta
A fotografia manchada
O céu sem nuvens
O peso do vazio
A multidão do deserto
O barulho do silêncio
O passado do indigente
A luz da escuridão.

Deixei todos trancados
em um baú no fundo do armário,
mas não sei o motivo,
eles insistem em sair.

sábado, 21 de junho de 2008

Poema do novo literato

Alguém me vê um céu
Desses cheios de pássaros
Para que eu possa voar
Longe de qualquer coisa
Sem obstáculos,
Impreciso.
Alguém me vê uma saída,
um exílio, para que eu voe para bem longe
de palmeiras tão tristes,
de pessoas tão mesquinhas,
de minha Pasárgada onde não sou filho nem rei.
Finito.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Tendência

Me perdi na Sexta-feira. Era cinza o céu e silenciosas as ruas movimentadas. As pessoas andavam, andavam, paravam, conversavam, sorriam, reclamavam, mudavam de lugar, tudo em silêncio. Foi aí que me senti surdo.
Às vezes tenho vontade de ignorar a todos. Sair por aí feito um vento de inverno, que ninguém pode desejar porque assim acaba fazendo doer os ossos. Queria também ser invisível, de modo a ficar nos lugares mais secretos ouvindo as confissões mais ilícitas. Mania de tentar ser invasivo.
Não, não irei me render a nenhuma tentativa de diálogo. Quebrei meu telefone, joguei fora meus papéis de carta, isolei-me. Não posso ser-me, serei sozinho. Vazio como uma harpa sem cordas, mas que insistentemente toca um ritmo descompassado de respiração.
Vou deixar de escrever aleatório (promessa). Quero um tempo de vácuo, é melhor do que fazer o trajeto pensar - escrever - me arrepender. Não me comprometo com estilo, tenho um quê de sombra. Vou dar um tempo com ladainhas, pensar em uma história bem bonita para decorar meu bosque.
Se essa rua, se essa rua fosse minha, eu procuraria pelo Senhor Sentido e o puxaria pela mão para perto de mim. Até quando o tempo quisesse.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Sujeito Indeterminado

Hoje acharam tudo feio. O chá não foi bom, os biscoitos estavam duros, não queriam nenhuma conversa. Pois bem, decidiram sair para ver se faziam alguma coisa, como por exemplo, visitar o relógio da praça central. Nossa, um 'belo' programa. Mas não era Domingo, então resolveram que iam parar no primeiro café da estrada, para ver se lá tinha algum livro interessante, ou talvez um capuccino estupidamente delicioso. Bem, também não encontraram. Que coisa, mas será que o dia de hoje seria assim tão inconclusivo? "Talvez não!" - eis que surge uma voz. Todos olharam para a porta, se entreolharam, tiveram um momento de silêncio (mórbido), como se pudessem ouvir, tocar, VER o silêncio. Decidiram, por fim, que seus olhares concordavam em seguir por aquela porta em busca de algo novo, talvez aprazível, quem sabe.
*
Mas não, hoje terminou assim, com todos saindo sem mais nem menos, seguindo não sei quem para não sei onde. Acho que a minha mais profunda vontade era ser assim. Ser indeterminado, sair por aí, não ver ninguém, só o silêncio. Agora canta a cigarra, em um leve pulsar repousante, e me imagino em um bosque. Sou eles, e mais ninguém.

domingo, 18 de maio de 2008

Penso, logo (nunca) existo

Uau, quanta ausência aqui. Mas dessa vez digo e repito, há muito tempo que não trago novas aqui neste lugar. Bem, não diria que agora as tenho, apenas não quero me demitir da função que tenho de entreter a mim mesmo.
¨
Esses dias que passaram transcorreram lentos e agonizantes. Não que viver não seja um dom, mas é que vida requer pessoas, e eu me enjôo muito facilmente delas. As poucas de quem não quero enjoar estão distantes, e mesmo assim elas cheiram à guardado em meu baú de lembranças (cuja chave guardei dentro dele).
¨
Não sou egocêntrico, e me descrever em palavras belas e calmas seria fugaz. Preciso ser áspero e arredio, assim bem subjetivo. Meus textos são descartáveis: leia, deteste e jogue para o lado, melhor ler um livro. Mas desse teclado saem letras compulsórias, mecânicas.
¨
ATENÇÃO: Este que aqui está não sou eu, apenas uma imagem de mim . Para aqueles que quiserem me achar, por favor me procurem no passado, meu presente está congelado. Pessoas e vozes, fotografias e músicas, estou em um momento em que apenas a ausência me faz pensar, pensar incerto, melancolia.
¨
É verdade. Melancolia. Encerro mais um monte de nada, espero comentário nenhum e o tempo está passando, minha velhice está próxima. Leitor (?), eu sou uma pessoa muito difícil.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Aleatório - Coisas do tempo

Hoje a minha tarde foi cinza, foi zero. Não consegui me compenetrar em nada, mas lia inconscientemente. Assim fiquei até a hora do café, onde me acompanharam o pão e o leite. Gelado. Na janela, a rua passava como um vento, deserta e fria pelo feriado. Feriados: são tão cálidos.

Procurei deter-me em Clarice, mas vaguei um pouco, compreendendo aquilo que estava à minha frente. Ora lia, ora parava. Olhava para a rua, os pombos de segunda à tarde são menos felizes. Eles se empuleiram e ficam ali, estáticos. Passa um segundo e somem. Não sei se meus escassos leitores notaram, mas eu tenho certa necessidade de entender aquele que não fala. Eu preciso compreender melhor o silêncio.

Estive pensando em fazer também um filme. Mas sobre o quê? Nem mesmo enredo eu tenho. Pensei em filmar o silêncio: de repente surgiram carros na rua, ruidosos e agressivos. Ah, como eu às vezes odeio o progresso.

Progresso. Sempre quis resgatar valores ilhados pelo tempo. Não sei se isso é normal, mas não quero ser controlado por um chip. Pavor é meu sobrenome, e termino mais um texto inconclusivo desta maneira: FIM.

----------------

imagem: Robert Doisneau, Les Glaneurs de Charbon, 1945. Gelatin Silver Print, Signed.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Le Petit

"Vê-se bem apenas com o coração. O essencial é invisível aos olhos."
Antoine de Saint-Exúpery

Prova

caos.
c-a-o-s

CAOS.
C-A-O-S

Quanto vácuo tem a sua paciência?
mine: none

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Sobre a Escrita

"Meu Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio.
Que é que eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada palavra é uma idéia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por um extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo - é por esconderem outras palavras.
Qual é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me impedem de dizer a verdade.
Simplesmente não há palavras.
O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às vezes.
Sempre quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda e que fosse e transmitisse tranqüilidade ou simplesmente a verdade mais profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.
Simplesmente as palavras do homem."
Clarice Lispector

domingo, 6 de abril de 2008

Cansaço

Cansaço extremo. Tanta coisa por fazer, diversos compromissos, muito peso. Eu confesso que já fui mais resistente a esse tipo de fenômeno, mas hoje em dia sou um pouco velho, calejado. Consigo resistir a dois, três tombos, mas se (somente se) chegar ao quarto, desfaleço e não ando mais.
Por favor, preciso de tempo/ força. Movimentos retilíneos e uniformes em direção ao sentido e à conformidade. Preciso me consternar, me retiro por uns instantes e a brisa vai levar de mim toda essa apreensão.

domingo, 23 de março de 2008

Ponto

Isso já virou um divã.

Pois é, venho aqui para desabafar, talvez mude o título do Blog para "O divã das palavras soltas". Soltas. Soltura que eu quero, LIBERDADE. Voar e não controlar o fluxo do vento, sair por aí, desmaiar em brisa, esquecer que as coisas são tórridas, as pessoas sobretudo.
Cansei de entendê-las, de amá-las. Cultivo um sentimento amargo sobre isso. Não faz bem, ou faz, não sei. Mas isso não me importa, sinceramente.
Estou acometido por terrível dor nas costas, não sei ao certo o motivo. Nem quero saber, a mim não faz diferença. Não sou, entretanto, uma muralha. Sentir é um grande pesar: me custa muito, então me dilacero e tento ser evasivo. Estou aprendendo, as pessoas são evasivas.
Falsa felicidade: que enjôo. Quanta palavra solta e desperdiçada. Amar, "verbo intransitivo". Amar dói, se afeiçoar dói. Assim como pensar. Para os tolos, ou os que vivem de má-fé, a ignorância é uma dádiva.

Estou passando por um tempo em que as coisas não são tão bonitas ou tão fáceis. E nem tenho tal pretensão. Mas passo uma cera nos móveis, faço um café, arrumo a casa: esqueço de tudo em um segundo.

quarta-feira, 19 de março de 2008

É preciso guardar leito (?)

Ai, pensei em sair do tédio. Tédio absurdo, das profundezas do vácuo.
Parei para escrever isto aqui: atrocidade. Caindo de sono, acho que vou bater com a cabeça no teclado.
Não, tenho de me controlar, já são quase 5 da manhã. Só mais um pouquinho e eu chego lá.
Lá: me pego surpreso com a minha fugaz capacidade de prever o futuro.
Extravaso, salto quanticamente, diminuo 5.10¹², como Alice no Quantum.
Ó, noite, poupe-me de devaneios.
Cumpro uma rotina 'corujal'. Insônia.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Dona Cigarrinha

Ia pela estrada, faceira e vespertina, Dona Cigarrinha. Muito fina, muito doce, sorriso de ar sublime, subia pelas folhas secas - e cantava- , descia pelos viadutos formados por pequenos ramos de cipreste - e cantava- , andava a passos largos, como se tais perninhas agüentassem - e cantava.
No entanto, em um certo pedaço do trajeto, eis que surge um terrível gafanhoto, duas vezes seu tamanho, com uma cara fechada, sombrolho cerrado e a mais rancorosa feição. Em uma só abocanhada, Dona Cigarrinha foi-se embora. Silêncio na mata: felicidade interrompida.

Retornando


* Fiquei com a sensação de que era tudo muito novo, tudo muito 'não sentido'. Uma de minhas primeiras percepções foi a de estar mergulhando em um poço sem fundo, tamanho foi o meu choque perante tanta falta de receptividade. Ora, meu leitor, não entenda isso como um lamento, ou mesmo como uma tentativa de recuperação. Peço-lhe, pois, que me dê uma chance: a rotina corrói a gente.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Antigo

* * *
I)
o
capitalismo
corrói o homem
neoliberal
vendida alma
comprável
dinheiro
capital

processo
gradual
de retrocesso
do homem
ganancioso
dia-bólico
mau
(22/01/2008)
* * *
Extremo de Agonia
As pessoas têm extrema necessidade de se sentirem acomodadas. Parece um mal comum, algo simples e sensato. Pela ótica do pragmático, o simples é acomodado, ele chega, se instala e pronto, cá estamos a fazer nada. Pois bem, eu também preciso me acomodar. Mas faço isso no incômodo. Me incomodo constantemente com o banal dos outros, mas importante para mim. Sou tambem capaz de não fazer nada e ficar de mãos atadas, ou mesmo canalizar o mal feito e o feio. Sinto muito em dizer, mas não agüento mais tanta inconstância, tantas falsas promessas. Acredito piamente no poder da sua, da minha, da nossa palavra. Mas acredito mais fortemente na verdade delas. Queria muito voltar o tempo, mas minhas pernas encurtam com o passar do mesmo. Estou rente ao chão, agora só observo. Sou sim um pedaço de coisa, a coisa representada. É como se estivesse aqui em um verdadeiro teatro, em que eu brinco de ser feliz. Felicidade fácil, comprada. Puro fato de sentir e não transmitir. Porque hoje sou nada, sou sombra de ser. Sou vórtice perante ao abismo. E me rejubilo.
(11/11/2007)
* * *
Marie
Marie,
Esta pequena trova,
pura e singela que escrevo a ti,
representa a mais doce candura
e o mais triste encanto,
pois se não fosse por você, Marie,
O mundo não teria tantas flores,
tantos bosques,
tantos amores.
(26/10/2007)

Regresso (trovinha)

Lá na lagoa,
o rei era o sapo:
Vivia coachando,
em solene descompasso.

Lá na floresta,
o rei era o leão:
Caçava gazelas,
rugia valentão.

Em um distante palácio,
era eu absoluto rei:
Porém ainda não me dei conta,
que deste sonho já regressei.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Poesia-imagem

"Mãos", por Arnaldo Antunes.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Verão

Hoje acordei cedo. Tão cedo que eu mesmo estranhei estar de pé àquela hora. Levantei soturno da cama, como um gato que se espicha assustado. Caminhei até a cozinha, vi o pão, a manteiga e o café. Sentei. Pausei um momento, olhei a janela, e vi o campo que lá fora se iluminava pelo Sol. Senti-me bem, eu que em minhas manhãs costumo estar mergulhado em tédio, mas não só nelas, talvez durante o dia inteiro.

Terminado o ritual exigido pela manhã, corri pela grama até o mais verdejante ponto. Lá deitei-me sem medo do calor, que era apazigüado pelo vento. Vento forte, fugaz, faceiro. As andorinhas refestelavam-se pelos ares, percorriam as árvores atrás de frutos, e furtavam-me pequenos galhinhos. Senti que era aquele o momento de me libertar, e então, como uma perdiz, lúcida e alabastrina, lancei-me ao ar, consciente de que o limite de tudo era a minha imaginação: infindável.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Subterfúgio e novidade

* * *
Terminado o Carnaval, eis que nos encontramos com os seus melancólicos despojos: pelas ruas desertas, os pavilhões, arquibancadas e passarelas são uns tristes esqueletos de madeira; oscilam no ar farrapos de ornamentos sem sentido, magros, amarelos e encarnados, batidos pelo vento, enrodilhados em suas cordas; torres coloridas, como desmesurados brinquedos, sustentam-se de pé, intrusas, anômalas, entre as árvores e os postes. Acabou-se o artifício, desmanchou-se a mágica, volta-se à realidade.
À chamada realidade. Pois, por detrás disto que aparentamos ser, leva cada um de nós a preocupação de um desejo oculto, de uma vocação ou de um capricho que apenas o Carnaval permite que se manifestem com toda a sua força, por um ano inteiro contida.
Somos um povo muito variado e mesmo contraditório: o que para alguns parecerá defeito é, para outros, encanto. Quem diria que tantas pessoas bem comportadas, e aparentemente elegantes e finas, alimentam, durante trezentos dias do ano, o modesto sonho de serem ursos, macacos, onças, gatos e outros bichos? Quem diria que há tantas vocações para índios e escravas gregas, neste país de letrados e de liberdade?
Por outro lado, neste chamado país subdesenvolvido, quem poderia imaginar que há tantos reis e imperadores, princesas das Mil e Uma Noites, soberanos fantásticos, banhados em esplendores que, se não são propriamente das minas de Golconda, resultam, afinal, mais caros: pois se as gemas verdadeiras têm valor por toda a vida, estas, de preço não desprezível, se destinam a durar somente algumas horas.
Neste país tão avançado e liberal — segundo dizem — há milhares de corações imperiais, milhares de sonhos profundamente comprimidos mas que explodem, no Carnaval, com suas anquinhas e casacas, cartolas e coroas, mantos roçagantes (espanejemos o adjetivo), cetros, luvas e outros acessórios.
Aliás, em matéria de reinados, vamos do Rei do Chumbo ao da Voz, passando pelo dos Cabritos e dos Parafusos: como se pode ver no catálogo telefônico. Temos impérios vários, príncipes, imperatrizes, princesas, em etiquetas de roupa e em rótulos de bebidas. É o nosso sonho de grandeza, a nossa compensação, a valorização que damos aos nossos próprios méritos...
Mas, agora que o Carnaval passou, que vamos fazer de tantos quilos de miçangas, de tantos olhos faraônicos, de tantas coroas superpostas, de tantas plumas, leques, sombrinhas...?
.
"Ved de quán poco valor
Son las cosas tras que andamos
Y corremos..."
.
dizia Jorge Manrique. E no século XV! E falando de coisas de verdade! Mas os homens gostam da ilusão. E já vão preparar o próximo Carnaval...
Cecília Meirelles
Texto extraído do livro "Quatro Vozes", Editora Record - Rio de Janeiro, 1998, pág. 93.

Tentativa

Isso aqui é, na verdade, uma tentativa (um tanto insana), de escrever pelo simples fato de escrever. Contudo, é uma coisa que custa-me muito, posto que minhas idéias são como amigas, mas não daquelas de todas as horas: são amigas passageiras, demonstram-se vivas, morrem e renascem em momentos inesperados, mas acredito eu que estes sejam os mais oportunos.

Portanto, que venham todas, sem medo e angústia. Faz-se necessário todo seu apoio, para que escrever seja realmente uma necessidade.