quarta-feira, 30 de junho de 2010

Megszentségteleníthetetlen

Tenho pânico da página em branco. Tenho pânico de viajar com você e ficar em silêncio. Sei que sou feito de puro silêncio, mas não quero deixar também de dizer. Se um bloco me dessem, se caneta me dessem, eu deixaria tudo escrito, minuciosamente registrado. Porque assim você não ouviria minha voz e eu falaria tudo o que tenho para falar. O som é poluição, eu me incomodo com o barulho, nem ao menos sua voz é agradável. Mas se viajo com você, preciso que me digas quem és. Como não te conheço preciso saber quem você é e porque está aqui. Se não estabelecemos um contrato, não viajamos juntos. E se não viajamos juntos, eu não digo. E cada fibra do meu aparelho fonador se esgota, morre em pequenos pedaços.
Eu tenho muita coisa para falar, no entanto preciso de alguém que me ouça. Sei ouvir e ouço pacientemente, ouço a concha que amplifica a onda, a formiga que tritura uma folha, a folha que balança ao vento. Até quando o tempo passa eu ouço, porque de ouvir a gente nunca se cansa. Morrer é ouvir o som do silêncio, o acúmulo dos silêncios de toda uma vida. Quando deixo de falar me puno, acumulo sentenças perfeitamente estruturadas. Elas saem feias quando as digo, porque meu aparelho fonador já morreu um pouquinho. Então pego caneta, papel, venho até aqui antes que meus dedos também morram. Não venho lamentar, chorar, me desculpar. Venho dizer, venho escrever. Se aqui estou é porque vivo, vivo em uma intensidade solar e aguda, como a planta que brota. Brotam palavras, brotam ventos outros, e logo rejuvenesço muitos anos.

* A palavra que deu origem ao título da postagem existe. Vem do húngaro/ magyar, e quer dizer "que não pode ser profanado, dessacralizado".

domingo, 20 de junho de 2010

Skylla, Scylla ou Cila, a ninfa que virou monstro

Eu só queria saber navegar nessa jangada. Essa que me sacode, no leva-e-traz imperfeito das ondas. (Mas há muita perfeição nas águas sibilantes.) A onda vai, vem, arrasta consigo pequenos cristais que são multiplamente brilhosos e batem nas cristas espumadas. O mar é a noiva incansável, com sua grinalda eterna, sempre à espera de um marido. O mar tem muitos maridos, maridos infinitos, que com muita ânsia tiram-lhe os filhos. Filhos, meus filhos, os filhos dos teus filhos, os que há muito nadam pelas dorsais oceânicas. A baleia canta, o harpão resvala, a baleia silencia, o mar se cala: a morte é o silêncio de todos nós. Morrer é ficar bem quietinho para sempre, é talvez a reflexão eterna. Quando a baleia morre, milhões de peixinhos, plânctons, fitoplânctons e moreias rezam, pedem clemência. Também peço clemência por aqueles que ferem a noiva, por aqueles que tiram dela seus últimos filhos. A noiva sangra, porém sangra azul eterno.
Minha jangada parece sólida, mas ainda não sei navegá-la. Talvez eu não seja navegável. Talvez nós não sejamos navegáveis. Todos temos certa escuridão abissal, onde habitam seres desconhecidos de qualquer ciência. Nem nós conseguimos avistá-los, pois nossos olhos não enxergam o suficiente. Às vezes, dificilmente enxergamos as superfícies. Quem sabe seja por isso que nossas jangadas afundam com a menor das ondas (pulsantes), quem sabe seja por isso que estamos insistentemente presos à margem. Com toda certeza a margem me conforta, me conforta saber que estou a salvo, que não corro o risco de desbravar mares sombrios, encontrar quimeras marinhas, glaciares cortantes ou escuridões com perfeição de cegueira. Preso pela margem, fico aqui e só, esperando que bata a onda na pedra, que resvale em mim algum pingo salgado para que eu me lembre, finalmente, o quão profundos e arredios podem ser os mares que estão em nós. Preciso, pois, de uma nova jangada.