domingo, 20 de junho de 2010

Skylla, Scylla ou Cila, a ninfa que virou monstro

Eu só queria saber navegar nessa jangada. Essa que me sacode, no leva-e-traz imperfeito das ondas. (Mas há muita perfeição nas águas sibilantes.) A onda vai, vem, arrasta consigo pequenos cristais que são multiplamente brilhosos e batem nas cristas espumadas. O mar é a noiva incansável, com sua grinalda eterna, sempre à espera de um marido. O mar tem muitos maridos, maridos infinitos, que com muita ânsia tiram-lhe os filhos. Filhos, meus filhos, os filhos dos teus filhos, os que há muito nadam pelas dorsais oceânicas. A baleia canta, o harpão resvala, a baleia silencia, o mar se cala: a morte é o silêncio de todos nós. Morrer é ficar bem quietinho para sempre, é talvez a reflexão eterna. Quando a baleia morre, milhões de peixinhos, plânctons, fitoplânctons e moreias rezam, pedem clemência. Também peço clemência por aqueles que ferem a noiva, por aqueles que tiram dela seus últimos filhos. A noiva sangra, porém sangra azul eterno.
Minha jangada parece sólida, mas ainda não sei navegá-la. Talvez eu não seja navegável. Talvez nós não sejamos navegáveis. Todos temos certa escuridão abissal, onde habitam seres desconhecidos de qualquer ciência. Nem nós conseguimos avistá-los, pois nossos olhos não enxergam o suficiente. Às vezes, dificilmente enxergamos as superfícies. Quem sabe seja por isso que nossas jangadas afundam com a menor das ondas (pulsantes), quem sabe seja por isso que estamos insistentemente presos à margem. Com toda certeza a margem me conforta, me conforta saber que estou a salvo, que não corro o risco de desbravar mares sombrios, encontrar quimeras marinhas, glaciares cortantes ou escuridões com perfeição de cegueira. Preso pela margem, fico aqui e só, esperando que bata a onda na pedra, que resvale em mim algum pingo salgado para que eu me lembre, finalmente, o quão profundos e arredios podem ser os mares que estão em nós. Preciso, pois, de uma nova jangada.

Um comentário:

Juliana Marins disse...

Amei!
Ai, que orgulho...

Tô seguindo, tá?

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