quarta-feira, 30 de julho de 2008

Aleatório(.)

Estou sem paciência, mas com papel e caneta. Na sala de estar.
Já faz mais de algumas horas que estou nesse lugar, hermeticamente lacrado, aprisionado, vítima do tempo e dos ponteiros do relógio. O ar está denso, deve ser aquela luz velha sustentada por um lustre do século passado. Nas paredes, um tratamento gasto e amarelado, marca de que nesse lugar não chegou a modernidade. Além disso, quadros horripilantes de uma sobriedade infernal aprofundam ainda mais o ambiente, onde eu me sinto uma bolinha de naftalina na caixa de antigüidades.
Mais horas se passam, nada de chegar alguém. Estou sentado em um sofá desconfortável, embora esteja estranhameente imóvel e não consiga me dirigir até a cadeira que foi da vovó. Porque o tempo, este é o meu dilema. Vou promover minha própria fuga, quero escapar, mas há um paradoxo que não me permite avançar: quanto mais penso em sair, mais regrido e o tempo parece me castigar com isso.
Castigo, é ao que estou submetido agora. Até respirar está ficando difícil. Começo a pensar coisas sem sentido, como um quadro dadaísta com as coisas saindo de seu eixo de rotação. Me sinto confuso, acho que vou desmaiar, tudo roda e em pouco tempo estarei apagando, desfalecendo.
Não, melhor parar por aqui. Escrever pode ser difícil. Mas daqui só saio quando acabar este relato de idéias soltas. Escrever é demasiado estafante. Acabei.
Ponto final.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Não fui eu, foi meu eu-lírico

Hoje de manhã fazia muito frio, ainda faz até agora. Pensei seriamente em escrever alguma coisa aqui, mas nem tudo me interessa e esses dias até que não tem acontecido nada comigo. As pessoas já não estão tão detestáveis, eu já consigo ficar menos angustiado com as coisas, talvez isso seja a ordem natural do tempo (que passa e eu nem sinto). Porém, não significa que eu adore o que detestava antes, apenas me dei férias disso tudo. Declarei também trégua a meus pensamentos e inspirações, mas o que venho contar aqui é tão pobre que eu escrevo de mim para mim mesmo: espelho.
Não importa, senti hoje vontade de gritar também. Mas bem alto, alto mesmo. Vou comprar um megafone desses de passeata, quem sabe alguém me ouve do outro lado do mundo. Escutei uma música mais ou menos, meu nariz gelou atá a ponta e me senti completamente abarcado de neve. Fazia Sol, mas preferi ignorar isso e o vento me atingia como pedras de gelo.
Sinceramente, já me cansei de escrever aqui, mas tornou-se mecânico. Queria ser um espelho, ver tudo de um lado diferente. Mas o tempo tem pressa, passa em desvarios como albatroz à procura de um rumo. Procuro sempre fazer as coisas sem os limites do tempo, mas às vezes, como em toda relação, brigo com ele, discuto mesmo (de sair rusgas e palavras malcriadas), até que ele acaba por decidir se vingar de mim e passa muito rápido. Tão rápido que ele cismou de já ter passado quinze anos. Quinze primaveras, muitas voltas em torno do Sol. Muitos anos, muitos meses, mais dias ainda, horas e horas a fio. Em imaginar que daqui a um tempo estrei dizendo a mesma coisa. Queria poder ser luz, andar universo afora, percorrer galáxias, quem sabe eu aproveitava melhor a companhia do tempo.
Portanto, vou me transformar. De hoje em diante pretendo escrever com outro nome (tomara que eu me lembre disso). Mas se eu me esquecer, não importa, isso tudo aqui não vai além de uma gogante bola de pêlos, regurgitada e ruminada pela paciência. Pensei em adicionar uma imagem a isso tudo, mas não quero deixar nada muito pessoal. Vou-me embora neste instante, porque preciso descansar de tudo isso. Hoje não falo mais, nem gesticulo. Pretérito.

sábado, 5 de julho de 2008

Epígrafe


"Se alguém perguntar por mim
Diz que fui por aí
Levando o violão embaixo do braço
Em qualquer esquina eu paro
Em qualquer botequim eu entro
Se houver motivo
É mais um samba que eu faço
Se quiserem saber se volto
Diga que sim
Mas só depois que a saudade se afastar de mim"

Exílio

Paris, 31 de Outubro de 1961.
Querida titia Dorothy,
Não prepare biscoitos de hortelã para mim, pois não regresso mais, isso é definitivo. Aqui faz frio, mas toma-se chá quente e o ambiente é ameno. Não agüentava mais a luta com as palavras, estava fustigado. Era uma terrível batalha, já não sabia mais o que fazer. Ficava me debatendo com elas, desgaste emocional e físico. Desapaixonei-me pela submersão em que me deixava nelas. Noites e mais noites sem dormir, tentando concatená-las, sabe, muito difícil. Aí mais indisposições e conflitos, evito-os por aqui. Já está sendo difícil, imagine, colocá-las todas juntas, nesse discurso, pesaroso porém desbafo. De modo algum me leve a mal, titia, mas preciso de ares renovados. Tenho que me enquadrar em algum lugar, sabe reconhecimento mútuo? Se continuasse onde estava, sucumbiria. Mas como ainda não dei chance para o fim, presenteio-me com sábia distância da ingratidão das palavras que me fogem e não deixam que eu me aproxime e as tateie (se não as tenho, sou sem rumo).
Acabo por aqui, estou cansado. Quando tiver notícias, lá vai batalha, mas mantenho-a informada.
Saudações,
A.