quarta-feira, 29 de julho de 2009

Anexos

I
O último poema
Assim eu quereria o meu último poema.
Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais
Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas
Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume
A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.
Manuel Bandeira
II
LÁPIDE 1
epitáfio para o corpo
Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito
são suas obras completas.
Paulo Leminski
III
Eu só escrevo quando eu quero, eu sou uma amadora e faço questão de continuar a ser amadora. Profissional é aquele que tem uma obrigação consigo mesmo de escrever, ou então em relação ao outro. Agora, eu faço questão de não ser profissional, para manter minha liberdade.
Clarice Lispector

terça-feira, 28 de julho de 2009

Carta de quem insiste em dizer

Darling,
Meu humor está uma droga hoje. Na verdade eu tenho ficado assim desde muito tempo. Me desculpe se não tenho dito nada, se não tenho te mandado fotos, cartas, cartões postais. É que eu estou prostrado nessa coisa que é a escrita. Tentei fabular, fazer poemas, devanear, filosofar sobre a literatura, mas não, nada disso funciona.
O cotidiano também não me atrai mais. Já escrevi contos, crônicas, disse umas coisas polítcas, agora apenas repouso em um monte de letras perdidas. Coloquei na vitrola aquele meu disco favorito, você sabe, com minha música favorita. Não, ele soou agreste, inóspito. Ensaiei uma estorinha, quase uma trova, mas nada disso parecia funcionar.
Pois bem, darling, quero te dizer a imensa verdade: eu não sou poeta. Não sou prosador, não filosofo, apenas embalo com semântica umas poucas palavrinhas. Quem me dera ter mais significado, ser mais significante. É por isso que eu me atiro em abismos dos quais ninguém pode me resgatar, só eu. É por isso que me afogo na leitura, cujo mar de palavras é meu único refúgio.
Me desculpe por toda a ausência, por toda a distância que nos separa. Eu sei, essa coisa de escrita é uma droga, mas ah, a mais lícita das drogas. É nela que eu percorro caminhos que se tornam descaminhos, que eu desconstruo o que me der vontade. Ah, darling, quanta possibilidade, quanta coisa que a gente muda sem razão, ou às vezes com uma teoria meio torta sobre como e o que dizer.
É, quem dera fosse assim. Agora eu acordo, depois de sonhar, de ficar imaginando. E é imaginando que eu me torno, finalmente, poeta. Poeta dos ninguéns, das ruas sozinhas, dos sertões tristes, das portas que se abrem para quartos vazios, dos ventos que sopram para o norte.
Finalizo esse seu esforço que é ler-me. Quando eu me encontrar, quem sabe daqui a algum tempo, te escrevo uma coisa decente, que você mereça (metrificada, rimada, parnasiana). Enquanto isso, estou por aí, e não sei quando volto. Para onde fui? Não sei, mas se me vir por aí, mande-me um recado: estou a minha procura.
Saudades,
Z.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

(Des)necessidade

1: Eu gostaria de me manter assim, escultura em envoltório de mistério. Na verdade, quando o vento bate em mim eu me desfaço, pois sou de areia. Quando recebo a pancada da brisa um pedaço de mim se esvai, e com o passar dos anos serei apenas lembranças. Lembro-me que anteontem não teve vento. Talvez eu deveria ter soprado minha própria imagem, bem como eu soprei estas palavras (e ainda sopro) que preencheriam em tese as minhas lacunas. Todo tédio que existe é cada grão que de mim se desprende, pois vento é sopro de infinidade, não tem ponto zero nem linha de chegada.
2: Posso concluir que és como o vento. Esse, quente à tarde e que chega à noite já frio, com medo do escuro. Carregas contigo palavras, letras, pessoas. Carregas a vida, aliás, porque cada momento é uma fotografia jamais repetida. Você mesmo não se repete, você não é óbvio nem enigmático, já disse. Mas nada do que eu disser vai conseguir curar esse monte de besteiras que a gente fala quando não tem nada a dizer.
FIM.