terça-feira, 26 de janeiro de 2010

'Conversa reveladora' ou 'A formiga teve sentido no mundo depois de morta a chineladas'

Z: - Poxa, que droga, acabei de morder minha língua.
F: - Coisa de quem fala demais.
Z: - Antes falar do que manter retesada toda a agonia que surge de repente.
F: - Dramalhão existencial, reconheço...
Z: - Reconhece nada. Tudo porque acha que é completo. Cheio de pessoas importantes, rituais de aparências, fés, credos, opiniões, valores. De que vale essa tralha se por dentro há ruína?
F: - Quanta fraqueza em palavras mal digeridas...
Z: - O que eu não consigo digerir é essa superestimação das coisas, esses eventos tão mínimos que se tornam homéricos, essa tentativa de querer ser feliz a todo custo. Como se a felicidade fosse comprável e a companhia de qualquer um se tornasse agradável, pois qualquer pessoa se torna a mais querida. Eu mordo minha língua sim, porque se eu não fosse falar tudo isso talvez dormisse mal todas as noites. Eu, ao contrário de você(s), não fico achando que cinco minutos são saudade, que uma mínima distância é um abismo, que uma conversa para ser boa tem que ser efusiva. Privilegio os silêncios espessos, as coisas inanimadas, o inanimado que existe em mim. A formiga que morre é a melancolia do dia, a água que goteja na pia é o poema da tarde. Às vezes o que eu não digo pode ser pior do que o que eu falaria, pois no íntimo da mente habitam densos mistérios. Eu não sei dar valor demais a coisas que não necessariamente merecem, ou que são muito pequenas para serem ditas eternas. Eterno para mim é muito, é uníssono, não é a convivência cotidiana e tampouco a presença. Quem sabe se a ausência pode ser eterna?
F: - ...
Z: - Aposto que você planejou essa reação indiferente a tudo que eu disse.
F: - De fato.
Z: - Se não quiser morder a língua, não morda, mas aprenda a falar. Gesticule, verbalize, cometa uma verborragia. Antes de ficar exaltando qualquer coisa, exalte cada hora ruminando detestáveis minutos de tédio ou mergulhe em seu próprio vácuo.
F: - Aceita um chá?
Z: - Aceito.
F: - Como vai o trabalho?
Z: - Sabe aquele seu castelo de cartas? Construído com afinco, mantido para que qualquer um chegasse e dissesse "Oh, minha nossa, quanta aplicação e quanto trabalho árduo", do qual você se orgulha de ter feito? Eu o derrubei.
F: - !
Z: - Derrubei com um sopro despretensioso, só para ver se estava firme. Mas foi de propósito, foi sim, porque eu sabia que a sua reação seria essa: a de quem fala "cadê tudo aquilo que eu pensava estimar?". Pois é, está aí, bem abaixo de seus pés, abaixo dessa cara sempre e falsamente amigável.
Não é preciso deixar que alguém sopre nossos castelos de cartas quando nós sabemos fazê-lo. As epifanias que vivemos são momentos de si para si, o ser para dentro. Ser para os outros não tem graça. Montar e desmontar o personagem não funciona, não é admirável.
Agora preciso ir. Mas aprenda uma coisa: reflita mais sobre a solidão e o silêncio. São muito necessários. Não se afaste das pessoas, pelo contrário, selecione umas poucas, bem poucas mesmo, porém que durem. Durem como o seu castelo e como você próprio.

"Fique de vez em quando sozinho, senão você será submergido. Até o amor excessivo dos outros pode submergir uma pessoa." C.L.

Um comentário:

Unknown disse...

Ai, que coisa...
queria escrever bonito e difícil assim. Tudo bem, deixo esse dom pra você! Avante, aposto que tens muitas outras maravilhas para mostrar.