Aquele escritor que nem todos gostam sentou-se para escrever algumas páginas de seu novo livro. Não obstante, ficou um tempo enorme pensando, olhando vago, e decidiu, por fim, escrever algo não convencional. É, estava cansado de (longas) dissertações sobre temas sociais e contemporâneos, que seriam lidos por críticos de qualquer coisa, leitores do dia-a-dia ou por professores que eventualmente retirariam algo de seus textos para uma prova ou uma proposta de redação. Mas tudo isso era muito chato, não tinha graça nenhuma. Estava chata também aquela máquina obsoleta, com palavras obsoletas. Então finalmente começou seu relato:
"Sabe, hoje tive vontade de escrever alguma coisa. Pensei em contar uma historinha, ou ficar proseando algumas linhas, mas na verdade o que eu quero é dizer. Eu desdigo muitas coisas, mas neste momento não estou precisando.
Gosto de escrever quando estou fazendo muitas coisas. É como uma fuga, encontro um momento para despejar as palavras. Muitas não saem, outras relutam, mas eu empurro todas com minha inspiração indelével. Nem sempre estou inspirado, para falar a verdade. Como agora: o som das teclas é sinfonia aleatória.
Não gosto de muito movimento, é por isso que não sou sinuoso. Estico-me pelo tempo como quem é linear e constante. Embora pense e escreva com constância, tudo o que digo se apaga, eu me apago com o tempo. Reflito muito sobre a velhice, fico velho mais cedo.
Estou um pouco mais seguro do que quero dizer agora. Talvez daqui a um tempo me sinta pior e tenha que fazer uma transfusão de palavras comigo mesmo. Eu tento me renovar, mas às vezes não consigo. Meu estilo ultrapassado e meus parágrafos curtos não me deixam.
Vou descansar mais um pouco, mais do que já descansei. Ler um livro, pôr um disco na vitrola, cantarolar errado uma letra de música (sim, eu não gravo todas). Estou apenas começando, ainda há muito tempo."