quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Dorme e perde as pernas no sonho

Resolvi sair e caminhar um pouco. A tarde de chumbo não é mais densa que a poeira acumulada nas minhas juntas. Alguém disse que ficar em casa demais faria com que eu envelhecesse, e isso me tornaria obsoleto ao meu tempo.
Abri a janela, já meio emperrada, e de súbito um vento fortíssimo invadiu tudo, muito pleno e vigoroso. Acho que nunca respirei tanto; senti minhas narinas dilatadas, frescas, com aroma de nada, que é o céu perto do vigésimo andar do edifício onde me encontro, nesse apartamento isolado. O ar limpou meus pensamentos, fui vasculhado por moléculas que não reconheço e que a essa altura já teriam realizado trocas gasosas muito complexas. Na hora em que eu respirava freneticamente ainda de olhos fechados, estático, me veio à cabeça pular a janela, verificar se a brisa me levaria adiante, em um voo de pássaro sem rumo. Senti que em mim rangia uma sinfonia magnânima, atestando que estava em espaço e tempo determinados. (A sinfonia faz tum, tuc, tum, tu tu, tum, tum tuc, tuc.) Respirei sem esforço, os movimentos de inspiração e expiração ficaram perfeitamente involuntários, nesse momento eu poderia flutuar como uma bolha transparente e límpida, redutível a um simples estouro. Se sangue tinha, agora o ar preenchia veias, artérias e capilares, e eu me sentia anestesiado, leve; se meu destino fosse cair de um precipício eu cairia muito feliz. Tentei abrir os olhos, quase consegui, no entanto a única coisa que fiz foi subir no parapeito da janela, um pouco trôpego, ainda coberto por muito vento. Com um tato paupérrimo investiguei a região, mas meu pé se perdeu e o tufão me levou, levou para longe, onde sinto frio na barriga em uma queda vertiginosa.
Triiim! Abro meus olhos, o frio na barriga ainda me acompanha um pouco (sensação gelada de montanha russa), porém percebo estar sentado no leito. Tenho pernas, sangue, acredito que as trocas gasosas estão em perfeita harmonia. Examino o quarto, a janela está fechada, vedada por trincos e cortina. Levanto, chego perto, não ouso abrir. Vou me arrumar e sair de casa. Vida lá fora.

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