Tirou da bolsa um cigarro e logo depois um isqueiro. Acendeu o cigarro e colocou-o na boca, preenchida pelo batom escarlate de anteontem. Saíra de casa determinadíssima, porém um tanto cansada. Desde pequena cansava-se com facilidade, diziam-na que já nascera velha. Às vezes, nem uma gente muito velha tinha o cansaço plúmbeo dela, que andava arrasatada feito a fumaça que agora se desvencilhava dos lábios.
Sua bolsa preta era um pouco antiga. Estava gasta, sem um dos fechos, entreaberta. No corpo, um roto vestido preto de bolinhas brancas, velado em parte por um cardigã preto acinzentado de poeira. Sua pele também era acinzentada: talvez fosse o cigarro, talvez a velhice. Se agora estava sentada à beira de uma encosta é porque descobrira o tempo. Quantas voltas de ponteiro ela não havia contabilizado em suas andanças, ela agora ali esquecida, quase sólida como o cimento que revestia o piso.
O cigarro estava acabando, ele era sua ampulheta. Levantou-se silenciosamente, caminhou um pouco pela beirada, fez-se equilibrista enquanto o vento levantava um pouco o vestido, revelando pernas de mármore e forro descosturado. Ai, a moça cinza, muito antes tão branca, agora uma estátua salina quase petrificada. E pétrea, linda e misteriosa ela degusta o fim de seu cigarro, cuja fumaça negra enamora os brônquios.
Bateu um vento que a levou, leve feito papel. Falta dela não sentiram, por seu nome não chamaram. Sinto um cheiro de naftalina, vou para onde ela estava. Não acendo cigarro, respiro ar puro.
Aterraram aquilo tudo, no lugar fizeram uma praça. Nela há cimento das minhas próprias andanças.