Festejou-se o aniversário de um homem muito modesto. E apenas no final do banquete é que se percebeu que alguém não tinha sido convidado: o festejado.
Anton Tchekhov
Não me lembro de ter preparado nenhuma festa. Quando cheguei estava tudo armado e eu jamais soubera de qualquer comemoração. Disseram ser meus amigos, mas não os identifiquei em minha memória. Recebi abraços e apertos de mão, todos vinham falar comigo mecanicamente (como em um ensaio) e desejar felicidades; então resolvi esboçar no rosto um sorriso permanente, pálido e entreaberto. Sim, seria uma escapatória, já que esperavam meu aval para atacar a mesa.
Acredito que a comida era a aniversariante. Fizeram com que me sentasse próximo ao bolo, como se eu fosse um enfeite. Fiquei constrangido com certos olhares, pois alguns dos presentes já começavam a emitir sons estranhos e a roer os próprios dedos. Achei melhor inaugurar a comilança, fato que foi o estopim da festa. Não tinha música, não bateram palmas, não cantaram parabéns.
A sinfonia dura e áspera vinha das bocas que mastigavam e trituravam com voracidade. Uma balzaquiana gorda comia muitos docinhos, todos quase simultaneamente. Um rapaz aflito devorava pastéizinhos e seu barulho era de boi (agudo) no matadouro. Um jovem simpático, parecendo ser um desses aprendizes de escritório, filtrava o refrigerante em ritmo alucinado enquanto segurava um saquinho de pipoca. O destaque, porém, ficou com a mulher alta de sapatos alaranjados: ela segurava cachorros-quentes em suas mãos enquanto sorvia com canudos os refrigerantes de três copos. Ao mesmo tempo.
Considerei tudo muito frenético e intenso, e por um instante pensei estar vendo miragens. Abri e fechei meus olhos diversas vezes, no entanto o que eu via eram mesas postas virando farelo, pessoas que eu jamais vira antes celebrando agora a deglutição hipnótica e desenfreada, em uma festa que supostamente era para mim. Aquilo me deixou em pânico, e desejei com muita força que todos eles sumissem.
Não havia música, não bateram palmas, não cantaram parabéns. Levantei-me de onde estava, abri a porta da sala, fechei e abri os olhos como quem busca forças, as mesas virando farelo. Puxei pessoas pelo braço, empurrei muitas outras, derrubei pipocas no chão. Eu todo era um grito muito represado, minha voz sairia supersônica se eu ousasse articular alguma palavra. Empurrei todos para fora, provoquei indigestões múltiplas, eu que não havia digerido nenhuma daquelas presenças.
No final das contas, sala vazia, farelos, pratinhos, guardanapos, copos usados, balões murchando. As letras de papel diziam "feliz aniversário", e vê-las me deu tamanha cólera que eu corri para arrancá-las da parede. Os convidados já se foram, comigo estão apenas os presentes. Fiz um amontoado, joguei tudo no lixo. Peguei a escada do prédio, subi com uma pressa nunca antes vista em mim. Na cobertura, um vento muito frio que se repete anualmente, esses eu contabilizo muitíssimo bem. Sentei no parapeito, pernas pendendo no ar, braços fixos prevenindo uma queda.
Nesse instante, o vento me deseja toda a felicidade do mundo com um abraço. Gotinhas de orvalho trazidas pela brisa retiram-me as impurezas, e sinto como se no momento recebesse o mais valioso dos presentes: a capacidade, ano após ano, de tornar-me novo.